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24 de abril de 2011

Poema a Galileu...

Estou olhando o teu retrato meu velho pisano.
Aquele teu retrato que toda a gente conhece
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sob um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria de Ofícios da tua velha Florença...
Não, não, Galileu, eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença,
lembras-te? A ponte Vechio, a Loggia, a Piazza de la Segnoria...
Eu sei, eu sei...
as margens doces do Arno às horas pardas da melâncolia!
Ai que saudades Galileu Galilei!
Olha, sabes? Lá em Florença está guardado um dedo
da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no Calendário!
Eu queria agradecer-te Galileu, a inteligência das coisas que me deste.
Eu, e quantos milhões de homens como eu, a quem tu esclareceste.
Ia jurar... (oh que disparate Galileu!)
e jurava a pés juntos e apostava a cabeça sem a menor hesitação,
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são!
Pois não é evidente Galileu,
quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez
que um botão de camisa ou um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu!
Estava agora a lembrar-me Galileu,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabêlo
e tinhas à tua frente um frizo de homens doutos, hirtos, de toga e de capêlo
a olharem-te severamente.
E estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição
se estivesse tornando um perigo
para a Humanidade
e para a Civilização!
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios...
E percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos, habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram, lá das alturas, e poisaram, como aves aturdidas
- parece-me que estou a vê-las! -
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo sim,
que sim senhor,
que era tudo tal qual conforme suas eminências desejavam;
e dirias que o sol era quadrado e a lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam, à meia noite,
louvores à harmonia universal!
E juraste que nunca mais repetirias,
nem a ti mesmo,
na própria intimidade do pensamento livre e calma,
aquelas abomináveis heresias,
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma!
Ai Galileu: mal sabiam os teus doutos juízes,
grandes senhores deste pequeno mundo,
que, assim mesmo, empertigados, nos seus cadeirões de braços
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo!
Tu é que sabias Galileu, Galilei!
Por isso, eram os teus olhos misericordiosos;
por isso, era o teu coração cheio de piedade.
Piedade pelos homens que não precisam de sofrer,
homens ditosos,
a quem Deus dispensou de buscar a verdade!
Por isso, estoicamente, mansamente, resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo, caindo, caindo sempre e sempre e ininterruptamente
Na razão directa do quadrado dos tempos!

António Gedeão

12 de dezembro de 2010

Aula de matemática

P’ra quê dividir sem raciocinar
Na vida é sempre bom multiplicar
E põe A mais B
Eu quero demonstrar
Que gosto imensamente de você.
Por uma fracção infinitesimal,
Você criou um caso de cálculo integral
E para resolver este problema
Eu tenho um teorema banal
Quando dois meios se encontram
Desaparece a fracção
E se acharmos a unidade
Está resolvida a questão
P’rá finalizar, vamos recordar
Que menos por menos dá mais amor
Se vão as paralelas
Ao infinito se encontrar
Por que demoram tanto os corações a se integrar?
Se infinitamente, incomensuravelmente,
Eu estou perdidamente apaixonado por você.

António Carlos Jobim/ Marino Pinto

2 de outubro de 2010

Rimas sobre as Formas Geométricas

Eu sou o Quadrado
Bonito demais
Tenho quatro lados
E todos iguais

E eu sou o Círculo
Sou igual à lua
Sou o mais bonito
Lá da minha rua

Eu sou o Triângulo
Tenho três biquinhos
De chapéu eu sirvo
Para os palhacinhos

Eu sou o Rectângulo
Cresci mais de um lado
Para fazer inveja
Ao senhor quadrado

http://educacaodeinfancia.com/rimas-sobre-as-formas-geometricas

29 de junho de 2010

Mãezinha

A terra de meu pai era pequena
e os transportes difíceis.
Não havia comboios, nem automóveis, nem aviões, nem mísseis.
Corria branda a noite e a vida era serena.

Segundo informação, concreta e exacta,
dos boletins oficiais, viviam lá na terra, a essa data,
3023 mulheres, das quais
45 por cento eram de tenra idade,
chamando tenra idade
à que vai do berço até à puberdade.

28 por cento das restantes
eram senhoras, daquelas senhoras que só havia dantes.
Umas, viúvas, que nunca mais (oh! nunca mais!) tinham sequer sorrido
desde o dia da morte do extremoso marido;
outras, senhoras casadas, mães de filhos...
(De resto as senhoras casadas,
pelas suas próprias condições,
não têm que ser consideradas
nestas considerações.)
Das outras 10 por cento,
eram meninas casadoiras, seriíssimas, discretas,
mas que por temperamento,
ou por outras razões mais ou menos secretas,
não se inclinavam para o casamento.
Além destas meninas
havia, salvo erro, 32,
que à meiga luz das horas vespertinas
se punham a bordar por detrás das cortinas
espreitando, de revés, quem passava nas ruas.

Dessas havia 9 que moravam
em prédios baixos como então havia,
um aqui, outro além, mas que todos ficavam
no troço habitual que o meu pai percorria,
tanquilamente no maior sossego,
às horas em que entrava e saía do emprego.

Dessas 9 excelentes raparigas
uma fugiu com o criado da lavoura;
5 morreram novas, de bexigas;
outra, que veio a ser grande senhora,
teve as suas fraquezas mas casou-se
e foi condessa por real mercê;
outra suicidou-se
não se sabe porquê.

A que sobeja
chama-se Rosinha.
Foi essa que o meu pai levou à igreja.
Foi a minha mãezinha.

António Gedeão

24 de maio de 2010

Romance ingénuo de duas linhas paralelas...

Duas linhas paralelas
Muito paralelamente
Iam passeando entre estrelas
Fazendo o que estava escrito:
Caminhando eternamente
De infinito a infinito.

Seguiam-se passo a passo
Exactas e sempre a par
Pois só num ponto do espaço
Que ninguém sabe onde é
Se podiam encontrar
Falar e tomar café.

Mas farta de andar sozinha
Uma delas, certo dia,
Virou-se para a outra linha
Sorriu e disse-lhe assim:
"Deixa lá a geometria
e anda aqui p'ro pé de mim..."

Diz a outra:"Nem pensar!
Mas que falta de respeito.
Se quisermos lá chegar
temos que ir devagarinho
andando sempre a direito
cada qual no seu caminho!"

Não se dando por achada
Fica na sua a primeira
e, sorrindo, amalandrada
Pela calada, sem um grito
Deita a mãozinha e matreira
Puxa a si o Infinito.

E com ele ali à frente
As duas a murmurar
Olhando-se docemente.
E sem fazerem perguntas
Puseram-se a namorar.
Seguiram as duas juntas.

Assim, nestas poucas linhas
Fica a história banal
E com linhas e estrelinhas
Uma moral convergente:
O Infinito, afinal,
Fica aqui ao pé da gente!

José Fanha